Era um sábado nublado, por volta das 14 horas, outono... Por
problemas de saúde agravados, febre alta e uma dor de cabeça que dava a
impressão de como se estivessem arrancando os meus miolos, resolvi ir ao
hospital municipal, um hospital aparentemente comum, mas só até certo ponto.
Assim que cheguei fui até o balcão de atendimento, mas como haviam umas 7 pessoas a serem atendidas ainda, fui obrigado a esperar por cerca de 40
minutos, aliás, longos 40 minutos.
A ficha hospitalar foi preenchida com meus dados e então a
recepcionista me disse que eu teria que aguardar na sala de espera até ser
feita a chamada.
Mal sabia eu que quando dava entrada naquele hospital, seria
obrigado a ver a cruel realidade de um hospital em situações precárias, como
muitos hoje em dia.
Estava distraído, dialogando com uma senhora que me
descrevia sua vida e seus problemas; era uma aposentada, viúva, esquecida por
seus filhos e também doente. Ela me disse que para sobreviver vendia papeis e
caixas de papelão no depósito de sucatas mais conhecido como ‘ferro-velho’.
De repente, sem que ninguém esperasse, fomos surpreendidos
por uma cena realmente impressionante, mas segundo aquela senhora, rotineira
naquele hospital.
Eu vi, dando entrada naquele inferno, um rapaz aparentando
ter cerca de 25 anos, baleado no tórax, sangrando muito, gritando
desesperadamente.
A recepcionista apenas olhou e disse que ele teria que
esperar. O rapaz, agora já desmaiado, ficou deitado num canto, enquanto sua
irmã que chorava sem parar, discutia com a moça.
O que mais me revoltou foi quando ali parou um carro
importado, do ano e dele desceram um senhor acompanhado de uma senhora que
provavelmente era sua esposa, alegando estar com uma forte dor de estômago.
Ele foi prontamente atendido, sem ao menos ter que esperar. Pareceu-me
ser importante, já que seu sobrenome era bastante tradicional.
O senhor passou pelo rapaz baleado e disse “que nojo”,
enquanto este, ainda esticado no chão, sangrava sem cessar. O sangue da forte
hemorragia misturava-se às lágrimas de sua irmã.
Passado algum tempo, a equipe de enfermagem colocou o rapaz
sobre uma maca e o encaminhou para a U.T.I., na sala de operação. Não demorou muito para chegar a notícia de
seu falecimento.
O desespero de sua irmã me tocou profundamente; o rapaz
havia sido atingido por uma bala perdida, num tiroteio entre policiais e
assaltantes.
O senhor com a dor de estômago saiu da sala com um ar de
satisfação. Através de algumas pessoas vim tomar conhecimento de que ele era um
vereador, por isso foi atendido de imediato.
Perguntei, naquela ocasião, a um dos diretores do hospital
se ele sabia o quanto representava à sociedade a vida do rapaz que ali morreu e
ele me disse: “Não sei, mas acho que não muito.”.
Aquela senhora aposentada, fiquei sabendo por intermédio de
um rapaz, era a mãe esquecida daquele diretor desumano do hospital... ela se
cansou de esperar pelo atendimento e se retirou.
Eu, que a essa altura também já estava cansado de aguardar a
chamada, fui embora também.
Naquele sábado tive uma triste decepção: descobri que a vida
do ser humano já está perdendo o seu valor e que o amor e a solidariedade estão
sendo trocadas pela desumanidade.
São fatos diários e rotineiros no tal planeta terra.
Renato J. Oliveira julho de 1.995
Conto fictício extraído do Zine Agonia Revoltante! # 16, edição de
agosto de 1.995.
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