Para unir-me em fraterna comunhão
ao que curva a cabeça ou estende a mão exangue
ergo, cheia do vinho do meu sangue,
a taça viva do meu coração.
Ergo-a aos que a dor de uma injustiça lança,
por dias e por noites, sem remédio,
nos grandes vales lúgubres do tédio,
aos descampados da desesperança;
E à desventura dos que enrouqueceram
de tanto erguer o seu clamor aos astros;
e ao desespero dos que vão de rastros
pagando crimes que não cometeram!
Ergo-a ao pária, ao mendigo, ao vagabundo,
aos que nascem na rua e agonizam na estrada;
aos que as crianças correm à pedrada
e os cães perseguem com rancor profundo;
À cansada legião dos infelizes
grilhetas dos porões, galés das oficinas
e aos que, no fundo tétrico das minas
vivem o drama triste das raízes;
E a ti, soberbo príncipe do gozo,
senhor do mais fantástico tesouro,
que talvez sejas, com todo o teu ouro
mais desgraçado que qualquer leproso;
E a ti monarca do mais alto império,
que, sob as dobras do teu manto flavo,
és mais triste, talvez, do que um escravo,
mais desolado do que um cemitério;
E àquela enfim, que da brutalidade,
em que a vida a atirou e onde o amor é um cilício
faz, às vezes brotar no chão negro do vício
a rosa branca da felicidade...
Brinde Amargo! – Só a dor a perfeição realiza.
Ergo-te, pois à dor dos herois humilhados
dos que sonham e vão sob o sonho, curvados,
porém, sempre de pé, como a Torre de Piza!
J. Camara
- Esta poesia foi publicada no jornal Folha da Manhã de 07 de maio de 1.933
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